Os substratos de vidro começaram a chamar atenção de grandes empresas de tecnologia, segundo um relatório recente que afirma que Apple e Tesla estão avaliando adotar essa solução em chips de próxima geração.
No universo de semicondutores, já há anos discute-se o uso de substratos de vidro como alternativa aos substratos orgânicos usados em empacotamento de chiplets (chiplets são pequenas unidades de circuitos que se integram para formar sistemas maiores).
De acordo com um relatório da ETNews, Apple e Tesla estariam em diálogo com fabricantes para avaliar como incorporar essa tecnologia em produtos futuros.
Dependendo de quão madura for a tecnologia, pode ser que Tesla use isto nos chips do sistema FSD (Full Self-Driving) e Apple nos seus chips internos (ASICs) ou nos processadores de iPhone e MacBook. Mas o que muda de fato?
Os substratos de vidro substituem o "núcleo orgânico" (o material tradicional) em pacotes avançados de chips, integrando múltiplas camadas de redistribuição (as famosas RDLs), que servem para encaminhar sinais e energia entre vários dies ou chips.
Porque o vidro tem densidade estrutural maior (mais uniforme, mais estável), é possível colocar mais sinais por camada — o que significa reduzir o número de camadas ou embutir mais chiplets no mesmo pacote.
Isso abre caminho para pacotes multi-die maiores, mais densos, com melhor desempenho. Há várias razões pelas quais Apple e Tesla estariam considerando essa mudança. As vantagens incluem: melhores propriedades elétricas, menor deformação térmica, maior estabilidade mecânica.
Um ponto-chave é que materiais orgânicos começam a apresentar limitações quando a complexidade e densidade dos chips aumentam demais — o vidro oferece uma alternativa mais confiável em cenários extremos.
Mas não é simples fazer essa transição. Existem dificuldades ligadas ao manuseio dos painéis de vidro (eles são mais frágeis, exigem cuidado no transporte e na fabricação) e os processos de furação de "vias" no vidro (as chamadas TGV, "through-glass vias") têm custos e desafios técnicos.
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Por exemplo, ao cortar os substratos de vidro (processo chamado "singulação"), há risco de trincas ou lascamentos — um defeito conhecido como SeWaRe.
Pesquisadores do Disco (empresa japonesa) investigaram isso e descobriram que o uso de lâminas duplas ou certas estratégias de remoção parcial de camadas pode reduzir os danos nas bordas.
Também há técnicas alternativas, como embutir segmentos de vidro em resina orgânica para proteger as bordas antes da laminação, o que já está sendo experimentado por empresas como a Sony.
Outra complexidade é que o processo usual de produção exige etapas como gravação de TGV, metalização, laminação de camadas de build-up e, por fim, separação dos chips — tudo isso precisando ser adaptado para o vidro.
Há também a necessidade de desenvolver equipamentos otimizados para trabalhar com vidro, já que muitos dos maquinários padrões foram feitos pensando nos substratos orgânicos.

Onde a indústria está hoje — maturidade e aposta futura
Os substratos de vidro ainda não chegaram à produção em larga escala. Segundo o TrendForce, embora Apple e Tesla estejam sinalizando interesse, nenhum fornecedor ainda está em produção estável em escala industrial.
Empresas taiwanesas de substratos como Unimicron e Nanya PCB já começaram a entregar amostras para testes e buscar feedback para validações iniciais.
Também há casos de empresas de vidro, como a Nippon Electric Glass (NEG), que anunciaram recentemente o desenvolvimento de substratos de vidro com TGVs compatíveis com lasers e outras técnicas de processamento.
A NEG já oferece amostras de vidro no formato grande (515x510 mm) com vias de diâmetro finíssimo, para avaliação por clientes.
Em termos de mercado, espera-se que os substratos de vidro cresçam bastante nos próximos anos, à medida que o ecossistema se desenvolve — fornecedores de equipamentos, fabricantes, designers de pacotes, etc.
A adoção virá, muito provavelmente, primeiro nos segmentos de alta performance (IA, data centers, aplicações automotivas críticas), onde os benefícios do vidro compensam os custos e os riscos iniciais.
Podemos dizer que substratos de vidro estão deixando de ser apenas teoria no mundo dos semicondutores: grandes nomes como Apple e Tesla já demonstram interesse concreto.
A tecnologia entrega benefícios reais — densidade de sinais, estabilidade, menor deformação —, mas tem grandes barreiras práticas (manuseio, furação, custos).
A adoção em escala vai depender de como essas barreiras serão vencidas. Se tudo ocorrer bem, o vidro pode virar uma peça-chave nos chips do futuro.